Este foi o último desenho que fiz na ilha do Sal, onde estive uma semana.
De todos os desenhos que fiz, este é o mais autêntico, e que me encheu verdadeiramente a alma, deixando-me sentida saudade daquele lugar. Não foi um desenho do turista, mas sim do viajante.
Guinei à esquerda depois das ruas dos bares e lojinhas de artesanato, que me parecia tudo um bocado postiço. Foi num passeio à sombra que encontrei o Carlos e o Jorge, algures pelo chão. O Carlos deitado em cima de um caixote de papelão aberto, o Jorge de cócoras na beirinha do passeio. Sentei-me ao lado deles a desenhar a Ilisabete, uma senhora que vendia peixe dentro de um carro de mão, com um zumbido de moscas impossível de reproduzir. Enquanto a desenhava, o Carlos e o Jorge foram conversando comigo, estávamos a um palmo de distância. Um rapazinho de dois anos espreitou o meu desenho, dei-lhe um carrinho de corda que levava na minha mochila. O Carlos e o Jorge divertiram-se a lançar o carrinho, papelão acima, papelão abaixo, perante o olhar surpreendido daquele menino.
O Jorge veio da Ilha de Santiago para vender peixe em Santa Maria. O Carlos é tratador de peixe (tira-lhe as tripas e limpa-os antes de serem vendidos), e veio da mesma ilha. Pediram-me que os desenhasse. Fiz-lhes a vontade, deliciado pelo momento. Perguntaram-se se lhes podia fazer um agrado. Perguntei qual. Pediram-me um euro para juntar a outro que tinham, para comprar uma garrafinha pequenina de grogue, uma aguardente potentíssima feita com cana de açucar. Larguei os lápis de cor por alguns momentos, bebemos um penalti de grogue cada um. Depois terminar o desenho, pediu-me o caderno e desatou dali a correr, radiante, a mostrar a todos os daquela rua o seu retrato. Bebemos mais um copo de grogue. Pedi-lhe a morada, que lhe prometi enviar uns brinquedos e roupas para o seu filhote de dois anos. Disse-me que não tinha morada, mas que enviasse para o posto dos correios, escrevendo o nome dele, que havia de lhe chegar.
Saí dali emocionado, com vontade de permanecer até ficar noite.
A mesma noite em que iria regressar a Lisboa, com tantos desenhos de viajante por fazer...
This was the last drawing I did on Sal Island, where I was a week ago.
From all the drawings I did, this is the most authentic, and that truly filled my soul, leaving me longing felt that place. It was a drawing from the "non tourist", but from the traveler.
I turned left after the street of bars and craft shops, which seemed all a bit fake. It was in the side walk in the shade I met Carlos and Jorge, sitted on the floor. Carlos lying on top of an open cardboard box, Jorge squatting on the side walh stone. I sat next to them to draw Ilisabete, a lady who was selling fish in a wheelbarrow, with flies buzzing, impossible to reproduce. While drawing, Carlos and Jorge were talking to me, we were a foot away. A boy of two years peeked my drawing, I gave him a car ty that I had in my backpack. Carlos and Jorge started to throw the car, cardboard up, cardboard down, facing the surprised boy.
Jorge came from Santiago Island to sell fish in Santa Maria. Carlos is fish handler (takes away the guts and cleans them before being sold), and came from the same island. They asked me if I could draw him. Of course I said, delighted by the moment. They asked if they could do a treat. I asked what. They asked me one euro to join another one they have to buy a little bottle of grog, a very powerful spirit made from sugar cane. I dropped the crayons for a few moments, we drank a penalty of grog each. After finishing the drawing, he asked me the sketchbook and start running, radiant, to show all people on that street his portrait. We drank another glass of grog. I asked him the address, I promised to send him some toys and clothes for his two-year boy. He told me he had no address, but I could sent the package to the post office, writing his name, will be enough.
I came away thrilled and emotioned, desiring to stay there until night.
The same night I would return to Lisbon, with many traveler drawings to be done...