31/08/2016

Gente boa

Este foi o último desenho que fiz na ilha do Sal, onde estive uma semana. 
De todos os desenhos que fiz, este é o mais autêntico, e que me encheu verdadeiramente a alma, deixando-me sentida saudade daquele lugar. Não foi um desenho do turista, mas sim do viajante. 
Guinei à esquerda depois das ruas dos bares e lojinhas de artesanato, que me parecia tudo um bocado postiço. Foi num passeio à sombra que encontrei o Carlos e o Jorge, algures pelo chão. O Carlos deitado em cima de um caixote de papelão aberto, o Jorge de cócoras na beirinha do passeio. Sentei-me ao lado deles a desenhar a Ilisabete, uma senhora que vendia peixe dentro de um carro de mão, com um zumbido de moscas impossível de reproduzir. Enquanto a desenhava, o Carlos e o Jorge foram conversando comigo, estávamos a um palmo de distância. Um rapazinho de dois anos espreitou o meu desenho, dei-lhe um carrinho de corda que levava na minha mochila. O Carlos e o Jorge divertiram-se a lançar o carrinho, papelão acima, papelão abaixo, perante o olhar surpreendido daquele menino. 
O Jorge veio da Ilha de Santiago para vender peixe em Santa Maria. O Carlos é tratador de peixe (tira-lhe as tripas e limpa-os antes de serem vendidos), e veio da mesma ilha. Pediram-me que os desenhasse. Fiz-lhes a vontade, deliciado pelo momento. Perguntaram-se se lhes podia fazer um agrado. Perguntei qual. Pediram-me um euro para juntar a outro que tinham, para comprar uma garrafinha pequenina de grogue, uma aguardente potentíssima feita com cana de açucar. Larguei os lápis de cor por alguns momentos, bebemos um penalti de grogue cada um. Depois terminar o desenho, pediu-me o caderno e desatou dali a correr, radiante, a mostrar a todos os daquela rua o seu retrato. Bebemos mais um copo de grogue. Pedi-lhe a morada, que lhe prometi enviar uns brinquedos e roupas para o seu filhote de dois anos. Disse-me que não tinha morada, mas que enviasse para o posto dos correios, escrevendo o nome dele, que havia de lhe chegar.
Saí dali emocionado, com vontade de permanecer até ficar noite. 
A mesma noite em que iria regressar a Lisboa, com tantos desenhos de viajante por fazer...

This was the last drawing I did on Sal Island, where I was a week ago.
From all the drawings I did, this is the most authentic, and that truly filled my soul, leaving me longing felt that place. It was a drawing from the "non tourist", but from the traveler.
I turned left after the street of bars and craft shops, which seemed all a bit fake. It was in the side walk in the shade I met Carlos and Jorge, sitted on the floor. Carlos lying on top of an open cardboard box, Jorge squatting on the side walh stone. I sat next to them to draw Ilisabete, a lady who was selling fish in a wheelbarrow, with flies buzzing, impossible to reproduce. While drawing, Carlos and Jorge were talking to me, we were a foot away. A boy of two years peeked my drawing, I gave him a car ty that I had in my backpack. Carlos and Jorge started to throw the car, cardboard up, cardboard down, facing the surprised boy.
Jorge came from Santiago Island to sell fish in Santa Maria. Carlos is fish handler (takes away the guts and cleans them before being sold), and came from the same island. They asked me if I could draw him. Of course I said, delighted by the moment. They asked if they could do a treat. I asked what. They asked me one euro to join another one they have to buy a little bottle of grog, a very powerful spirit made from sugar cane. I dropped the crayons for a few moments, we drank a penalty of grog each. After finishing the drawing, he asked me the sketchbook and start running, radiant, to show all people on that street his portrait. We drank another glass of grog. I asked him the address, I promised to send him some toys and clothes for his two-year boy. He told me he had no address, but I could sent the package to the post office, writing his name, will be enough.
I came away thrilled and emotioned, desiring to stay there until night.
The same night I would return to Lisbon, with many traveler drawings to be done...




30/08/2016

Bruna

A Bruna é a filha do meu primo Paulo, e é a mais velha de 3 irmãs. 
Está mais alta do que eu, apesar de ter apenas 14 anos. Actualmente a viver em França, continua muito interessada no desenho. Enquanto a desenhava, fez-me muitas perguntas, curiosa como só os pequenos jovens conseguem ser. Perguntou-me como pintava os meus desenhos, intrigada por aquele efeito lambido ser feito com lápis de cor. Mostrei-lhe um pincel de água, e as maravilhas que fazemos com eles. Tinha um no estojo ainda por estrear, passei-lho para a mão para que o experimentasse. Sorriu, entusiasmada, enquanto esbatia com água as cores dos lápis. Disse-lhe que ficasse com ele, e que voltasse a experimentar nos seus desenhos, e que no próximo ano os pudesse trazer para mostrar.

Bruna is the daughter of my cousin Paul, and is the eldest of three sisters.
It is currently higher than me, despite her 14 years old. Currently living in France, she is still very interested in drawings. While drawing, she made me several questions, curious as only young people can be. She asked me the technique I was painting my drawings, intrigued by that licked effect done with colored pencils. I showed her a water brush, and the wonders that we do with them. I had one with me yet to debut, gave it to her hand to try. She smiled enthusiastically, while the water from the pencil danced over the water color pencils. I told her to stay with it, and to try it againin her drawings, and that next year could bring them to show me.


25/08/2016

Manchester # day 0

Chegámos à cidade já passava das seis da tarde. Cá fora, junto da estação, estava o Pedro Loureiro a fazer um desenho. O Pedro tinha chegado uns dias antes, andou por Liverpool, e tinha chegado a Manchester no dia anterior. Desde o dia em que chegou até que se foi embora, encheu um caderno inteirinho, e só com grandes desenhos. Que gajo incrível.
Despedimos-nos da Rosário, da Maria Celeste, da Maria José e da Helena, que viajaram connosco mas ficaram num hotel diferente do nosso. Deixámos as malas, tomámos um banho para tirar o encardido da viagem, e fomos ter com sketchers que já se reuniam no Peveril of the Peak. Bebemos duas cervejas daquelas grandes, e decidimos ir jantar ao Pub em frente, o Rain Bar, passavam poucos minutos das oito da noite. Entrámos, animados pelo menu e pelo ambiente caloroso daquele lugar. Afinal a cozinha tinha fechado às oito (!), e não daria para comer... 
Fomos jantar ao Gorilla, perto dali, com boa comida e uma menina muito vistosa que nos atendeu. Antes das onze da noite entregaram-nos a conta, que o restaurante ia fechar daí a nada, se quiséssemos continuar a beber teríamos que ir para o piso de baixo. Pagámos a conta, não chegou a vinte pounds cada um, descemos directamente para a rua onde ficámos a conversar. Do outro lado do passeio alguém nos gritou em português, era o Mário e a Ketta com o Matias pela mão, que também regressavam ao Hotel. Atravessámos a estrada a correr, e ficámos por ali a conversar e a fazer cenários para os dias que se seguiriam.
O Simpósio Internacional de Urbansketchers ia começar, e nós íamos fazer parte dele!

We reached the city after six o'clock. Outside, near the station, was already Pedro Loureiro  drawing. Pedro has arrived a few days earlier, was in Liverpool, and had come to Manchester the day before. From the day he arrived until he left, he filled a complete sketchbook, and only with terrific drawings. What an amazing guy.
We said goodbye to Rosário, Maria Celeste, Maria José and Helena, who traveled with us but were in a different hotel. We left the bags, took a shower , and we joined the sketchers who have gathered at Peveril of the Peak Pub. We drank two beers, and we decided to have dinner at the pub across the street, the Rain Bar, a few minutes after eight o'clock. We got in, excited by the menu and the warm atmosphere of the place. Apparently, the kitchen had closed at eight (!), impossible to eat there ...
We went to dinner at the Gorilla, nearby, with good food and a very charming girl who atended us. Before eleven o'clock they gave us the bill, because the restaurant would close in a couple of minutes, and if we wanted to continue drinking, would have to go to the bottom floor. We paid the bill, less than twenty pounds each, and came directly to the street where we were talking. Across the road someone called us in Portuguese, it was Mario and Ketta with Matias by hand, which also returned to the hotel. We crossed the road running, and we were over there talking and making scenarios for the days ahead.
The International Symposium Urbansketchers was going to start, and we were going to be part of it!



24/08/2016

Manchester # day 1_part I

Da parte da manhã houve o registo e a reunião de formadores do Simpósio, onde eu e o Vicente estivemos carregadinhos de orgulho. Os nossos correspondentes também começavam ali o seu trabalho incansável e formidável dos dias seguintes. Uma hora e tal depois saímos do edifício Benzi, e, já na rua, reencontrei o meu amigo Sílvio Menendez, o Argentino a viver em São Franscisco, e que conheci em Paraty. Almoçámos juntos num Pub perto do nosso hotel, o "The Lass O´Gowrie" comemos todos uns "fish and chips" bem regadas com o tal delicioso vinagre de malte. 

In the morning of the first day, took place the registration and the meeting of the symposium instructors, where I and Vicente were full of pride. Our correspondents also began there their great work of the following days. An hour or so later we left the Benzi building, and already outside, I saw again my friend Silvio Menendez, the Argentine guy living in San Franscisco, and who I met in Paraty. We had lunch together in a Pub near our hotel, "The Lass O'Gowrie", we ate "fish and chips" well watered with that delicious malt vinegar.



23/08/2016

Manchester # day 1_part II

Durante a tarde, muitos foram os que se juntaram no jardim "All Saints" a desenhar. Sentei-me num banquinho de betão, do lado de fora do jardim, e desenhei a Manchester School of Art, um edifício de pedra amarelada muito vistoso. Este foi apenas um dos quatro desenhos que fiz da arquitectura de Manchester. Adorei a arquitectura da cidade, mas gostei mais das pessoas, e por isso as desenhei mais. 
Daí a nada caminhámos em direcção ao City Hall, onde iria ter lugar a recepção aos participantes do Simpósio.

In the afternoon, many sketchers joined in the garden "All Saints" to draw. I sat on a concrete bench outside the garden, and drew the Manchester School of Art, a very elegant yellow stone building. This was just one of the four drawings I did of Manchester architecture. I loved the citu architecture, but I was in love bu the people, and therefore I drew them.
After that we walked to the City Hall, that fantastic place for the reception to the participants of the symposium.



22/08/2016

Manchester # day 1_part III

A recepção no City Hall foi verdadeiramente impressionante. O edifício é lindíssimo, com um ambiente indescritível de quase meio milhar de sketchers felizes e ruidosos, mais pareciam crianças histéricas quando entram num parque de brincadeiras. Por entre copos de vinho e abraços entre amigos de outros encontros, escutávamos as "The Dotted Crotchets", um quarteto feminino lindo e arrebatador, que não resistimos a desenhar, esparramados naquele chão de madeira.

The reception at the City Hall was truly impressive. The building is beautiful, and the environment with almost half a thousand happy and noisy sketchers, was indescribable, look like hysterical children when they go to a park. Between glasses of wine and hugs with friends from of other Simposiums, we listened to the "The Dotted crotchets," a beautiful and talented female quartet, which we canot resist to draw, sprawled at the wooden floor.



21/08/2016

Manchester # day 2_part I

Na primeira manhã de workshops, decidi fazer o do Norberto Dorantes, um arquitecto Mexicano a viver em Buenos Aires, e que admiro desde há muito tempo.
O tema do workshop era "Extreme Angles", algo que faço regularmente nos meus desenhos, que é buscar pontos de vista fora do vulgar, ou sentado no chão, ou a olhar de cima, para perspectivas deformadas. Parecia que tinha tudo para correr bem. O dia começou chuvoso, e o lugar escolhido foi rapidamente alterado para a esplanada de guarda sóis gigantes do Rain Bar, nome nem a propósito. Para além da chuva estava também frio, e eu apenas com um pulloverzinho de verão que tinha trazido da quente Lisboa. Estava tão desconfortável que apenas fiz o primeiro exercício, disse ao Norberto que tinha de ir comprar um casaco, que estava enregelado. Saí dali, a pé e debaixo da chuva miudinha, à procura de uma loja de roupa. Andei cerca de meia hora, até encontrar uma Primark. Comprei um kispo por 15 libras, e salvei o resto do Simpósio. Enviei ainda dois postais que tinha prometido, e regressei ao Rain Bar, onde o workshop estava prestes a terminar. Desenhei o Norberto, enquanto bebia uma San Miguel, numa espécie de "extreme angle". Lá fora continuava a chover, almoçámos ali mesmo, um hamburger com batatas fritas, regadas com aquele vinagre de malte tão bom... 

On the first morning of workshops, I decided to attend Norberto´s a Mexican architect living in Buenos Aires, and whom I admire for a long time.
The workshop theme was "Extreme Angles", something I do regularly in my drawings, which is to seek views out of the ordinary, or sitting on the floor, or look up, distorting perspectives. Everything seems almost perfect. The day started rainy, and the chosen spot was quickly changed to the giant umbrellas terrace of Rain Bar, a curious name. Besides the rain, was cold too, and I just had with me a summer pullover that I had brought from the hot Lisbon. I was so uncomfortable after the first exercise, that I told Norberto that I need to leave to go buy a coat. I came away on foot and under the drizzle, looking for a clothing store. I walked about half an hour to find a Primark. I bought a kispo for 15 pounds, and saved the rest of the symposium. I sent also two postcards that had promised, and returned to Rain Bar, where the workshop was about to end. I drew Norberto, while drinking one San Miguel beer, in a kind of "extreme angle." Outside was still raining, we had lunch there, an hamburger with fries, washed down with that terrific malt vinegar...


20/08/2016

Manchester # day 2_part II

Não conhecia pessoalmente o Victor Swasky, natural de Barcelona, apesar de já ter livros dele e o seguir com muita regularidade. Adoro todos os desenhos que faz. 
Nesta primeira tarde oficial do Simpósio, fiz o workshop "Bending the floor", que num jeito muito directo, é aquilo que gosto de fazer nos meus desenhos, ou seja, distorcer, ainda que com regra,  a realidade.
O Swasky, para além dos desenhos extraordinários que faz, é um grande formador e comunicador, e um tipo muito simpático. No dia 27 de Agosto vem a Lisboa dar uma oficina no Museu Vieira da Silva, e eu vou lá estar!

I didn´t know personally Victor Swasky, born in Barcelona, despite having his books and follow him with often. I love all the drawings he do.
In this first official day of the Symposium, I did the workshop "Bending the floor", which in a very direct way, is what I like to do in my drawings, distort reality , although with some kind of rule.
Swasky, in addition to the extraordinary drawings he do, is a great teacher and communicator, and a very nice guy. On August 27th he comes to Lisbon to give a workshop on Vieira da Silva Museum, and I'll be there!


19/08/2016

Manchester # day 2_part III

Saímos do Peveril of the Peak, onde bebíamos umas cervejas depois do dia de desenhos. O Javier de Blas estava prestes a levar-nos ao restaurante indiano onde iríamos jantar as restantes noites. Connosco estava o Kare Saetre, um norueguês (ou seria finlandês?) que já tinha conhecido em Lisboa no workshop da Marina Grechanik. A sua mulher Live juntou-se a nós, para um serão formidável. Para além do Javier de Blas e destes Noruegueses, estavam connosco o Sílvio Menendez, o Luís Frasco e o Pedro Loureiro, que daí a nada iria dar um recital de sueco, uma língua similar à dos nossos novos amigos, e que a todos nos deixou de boca aberta... não bastava o rapaz desenhar daquela maneira, ainda falava línguas esquisitas... 

We left the Peveril of the Peak Pub, where we drank some beers after the drawings day was over. Javier de Blas was about to take us to the Indian restaurant where we were going to dinner the remaining nights. With us was Kare Saetre, a Norwegian (or from Finland?) that I  met in Lisbon at Marina Grechanik´s workshop. Live, her wife joined us for a great evening. Besides Javier the Blas and these Norwegians friends, were with us Silvio Menendez, Luis Frasco and Pedro Loureiro, who would give a Swedish recital, a language similar to our new friends, lefting everyone with an open mouth ... it was not enough to draw like that, the boy also speaks strange languages ...


18/08/2016

Manchester # day 2_part IV

A caminho do nosso hotel existia um Pub totalmente "underground", ficava literalmente debaixo de um viaduto. Todas as noites lá bebemos uma cerveja.
O Thirthy Scholar era um lugar surreal, com uma fauna muito particular. Tinha quase sempre música ao vivo, nem sempre de categoria. Na primeira noite que lá entrámos, estava um tipo esquisitíssimo a tocar guitarra, vestia uma t-shirt do super-homem e cantava com uma voz esganiçada. Um de nós, não me lembro quem foi, disse que era bem pior que o Zé Cabra... eu cá gostei do rapaz. Na porta de entrada, um "brutamontes" comia um prato de massa directamente de um tuperware.
Nesta noite de quinta feira, decidi só desenhar pedaços de gente, uns a beber, outros a desenhar. Daí a nada, um dos que bebia, nativo dali e interessado pelo que fazíamos, pediu o caderno emprestado ao Javier, e desenhou-o numa penada. E fez um grande desenho!
Saímos dali era quase uma da manhã, estoirados mas felizes. Daí a nada os correspondentes Javier de Blas, Pedro Loureiro e Luís Frasco entravam ao serviço na redacção...

On the way to our hotel there was a totally underground Pub, was literally under an overpass. Every night we went there for a beer.
The Thirthy Scholar was a surreal place with a very particular fauna. Every night with live music, not always good. The first night we were there, there was a guy playing guitar, wearing a Superman T-shirt and a squeaky voice. One of us, I do not remember who it was, said it was much worse than the portuguese Zé Cabra ... I liked the guy. In the entrance door, a "gorilla" ate a pasta dish, directly from his Tuperware.
In this Thursday night, I decides to draw only pieces of people, some of them drinking, and other drawing. In a minute, a guy in the front table, interested in what we were doing, ask the sketchbook loaned to Javier, and drew it in a glance. And he did a great drawing!
We left that place at 1am, tired but happy. In the next hour, the correspondents Javier Blas, Pedro Loureiro and Luís Frasco entered to the service in the newspaper writing...


16/08/2016

Manchester # day_3_part I

A sexta-feira 29 de Julho foi para mim um dia inesquecível.
Nessa manhã não fiz nenhum workshop, nem participei em qualquer actividade. Fiquei todo o tempo na Escola de Artes, o quartel-general do Simpósio. Fiz os últimos ajustamentos na minha apresentação, e estruturei os momentos que iriam pautar toda a Lecture. Tentei, ainda que sozinho, ensaiar o que iria dizer, tentei calcular os tempos. Teria slides a mais? Ou a menos? Deixei de me preocupar. Senti que tudo ia correr bem, estava invadido por uma calma e tranquilidade que me faziam sentir capaz de todos os improvisos, fossem eles necessários.
A minha Lecture "Drawings inside a prision" era às quatro e meia da tarde. Tinha tempo para assistir à Lecture de uma pessoa que tanto admiro, e que foi uma das primeiras que conheci em Paraty, há dois anos. A Karina Kuschnir, antropóloga do Rio de Janeiro, iria falar sobre as suas técnicas e métodos de ensino, e as dificuldades de ensinar desenho a pessoas que acham que são incapazes de desenhar. A sua criatividade e imaginação são impressionantes, e os resultados obtidos são absolutamente notáveis. 
Enquanto fazia este desenho, e por entre tantas coisas deliciosas daquela palestra, a Karina mostrou desenhos de urbansketchers que admirava, e que apresentava como bons exemplos aos seus alunos. Falou do Eduardo Salavisa, da Lynne Chapman, que também estava na sala, da Marina Grechanik, e... do Nelson Paciência.
Parei por momentos o que estava a fazer, fortemente emocionado. Daí a nada a Lecture terminava, todos adoraram. Levantei-me da cadeira, enquanto as cores do desenho secavam. Dei-lhes os parabéns e um apertado abraço de obrigado. E senti-me tão contente por ter estado ali.
Existem momentos que gravamos para sempre na nossa memória, por tão pequeninos que possam parecer. Este foi um deles. Obrigado Karina!

Friday July 29th was for me an unforgettable day.
On that morning I didn´t attend any workshop or activity. I stay all the time in the School of Arts, the headquarters of the symposium. I did the last adjustments to my presentation, structuring times that will guide my Lecture. I tried, even alone, rehearsing what I would say, I tried to calculate the time. Would I have to many slides? Or less? I stopped worrying. I felt that everything was going to run well, I was invaded by a calm and quiet sensation that made me feel capable of all improvisations, whether they were necessary.
My Lecture "Drawings inside the prision" was scheduled at 4:30pm in the afternoon. I had time to attend the Lecture of a person who I admire a lot, and that was one of the first I met in Paraty, two years ago. Karina Kuschnir, an anthropologist from Rio de Janeiro, was going to talk about her techniques and teaching methods, and the difficulties of teaching drawing to people who fell they are unable to draw. Her creativity and imagination are impressive, and the results were absolutely remarkable.
While doing this drawing, and among so many delicious things on the Lecture, Karina showed urbansketchers drawings she admired, as good examples to her students. She shows drawings from Eduardo Salavisa, Lynne Chapman, who was also in the room, Marina Grechanik, and... Nelson Paciência.
I stopped for a moment what I was was doing, strongly emotional. In a couple of minutes the Lecture was over, everyone loved it. I got up from the chair, while the watercolors of the drawing dried. I gave the congratulations and thank her with a big hug. And I was so glad for beeing there.
There are times that we recorded forever in our memory, for so small they may be. This was one of them. Thank´s Karina!



Manchester # day 3_part II

A minha Lecture "Drawings inside a prison" foi, para mim, um momento extraordinário. E o mais especial de todos os momentos que vivi estes dias em Manchester.
Esta foi a primeira vez que partilhei esta experiência, de uma forma agrupada e estruturada, mostrei os meus desenhos e os desenhos do Jaime, do Giovanni e do E.L. Falei da vida difícil numa prisão de alta segurança, as estórias de vida de cada um, os seus sonhos e pesadelos. A forma como as pessoas escutaram e se envolveram nesta aventura foi mágica, foi como se todos eles tivessem estado comigo nas sessões de desenho com os reclusos da prisão de Monsanto. E foi tão bom perceber que o desenho liberta e consegue aproximar as pessoas...

A Karina Kuschnir escreveu um texto maravilhoso sobre a minha Lecture, que pode ser visto AQUI

My Lecture "Drawings inside the prison" was, for me, an extraordinary moment. And the most special one from all moments I lived these days in Manchester.
This was the first time I shared this experience all togheter and in a structured way, I showed my drawings and Jaime Giovanni and E.L. drawings. I spoke about their hard life in a high security prison, their life stories, their dreams and nightmares. The way people listened and got involved in this adventure was magical, it was as if all of them had been with me in the drawing sessions in Monsanto prison with my inmates. And it was so good to realize that drawing is liberating and can bring people together ...

Karina Kuschnir wrote an amazing text about my Lecture, that could be seen HERE


 Desenho de Pedro Loureiro

Desenho de autor desconhecido

Desenho de Julie Scott

 Desenho de Laura Candón

15/08/2016

Manchester # day 3_part III

A nossa actividade "Pubcrawl, draw if you are sober", foi um sucesso! O Peveril of the Peak estava completamente lotado, tinha tanta coisa divertida e gente interessante para desenhar. A parte mais importante da nossa Actividade era desenhar personagens, interagindo com eles. Conheci um casal de Liverpool, o Darwin e a Kim, e por coincidência disseram-me que tinham estado em Portugal em Maio. Não em Lisboa, mas numa pequena cidade a norte, onde tinham uns amigos já reformados.
"- Nós estivémos em Alcobaça", disse ele.
"- Eu sou de Alcobaça!", respondi eu.
Terminamos o fim de tarde a ver fotos de Alcobaça no telemóvel dele, e desenhos do mosteiro no meu caderno.
O mundo é uma casca de noz...

Our Activity "Pubcrawl, draw if you are sober was a sucess! The Peveril of the Peak was completely crowded, with so many interesting things and people to draw. The most important part of our Activity was to draw characters, interacting with them. I met a couple from Liverpool, Darwin and Kim, and by coincidence they told me that they were in Portugal last May. Not in Lisbon, but is a small city where they have some retired friends.
"- We were in Alcobaça", he said.
"- I am from Alcobaça!" I said...
We ended that evening looking to Alcobaça photos in his mobile, and monastery drawings from my sketchbook.
The world is a nutshell...


13/08/2016

Manchester # day 3_part IV

Depois de um dia tão intenso, foi óptimo regressar ao restaurante indiano para jantar. Ao meu lado o Pete Scully desenhava no seu jeito estranho e tão formidável. Mete o lápis entre os dedos anelar e indicador, parece que está a comer com pauzinhos...
A Rita Sabler com mãos de fazendeiro que desenhava o Mateusz, um polaco que desenhava a Rita. O Javier de Blas, que não aparece no desenho e que mandou vir 3 garrafas de vinho da sua Rioja, e sketchers por todo o lado. 
Viva a globalização!

After a really intense day, it was great to come back to the Indian restaurant for dinner. On my left was Pete Scully drawing in his strange way but so incredible. He places the pencil between the ring and index fingers, it seems that is eating with chopsticks ...
Rita Sabler with farmer hands drawing Mateusz, a guy from Poland who was drawing Rita. Javier de Blas, that does not appear in the drawing who ordered 3 bottles of wine from his Rioja, and sketchers everywhere.
Viva globalization!


11/08/2016

Manchester # day_4_part II

Jantámos pela terceira vez consecutiva no restaurante indiano. A comida era óptima, e o atendimento da nossa amiga Laura, natural de Espanha, eram razões mais que suficientes para queremos voltar. Tivemos sempre mais gente connosco a cada serão que passava, como o Sílvio dizia, éramos "the coolest group". Neste último dia do Simpósio fiz apenas 3 desenhos:
  • A biblioteca John Rylands, desenho que foi vendido no leilão silencioso por 50 libras;
  • A Loukia, uma Grega a trabalhar em York com quem conversei no Peveril of the Peak, durante a 2ªa sessão da minha actividade a meias com o Vicente; 
  • E a Rita Sabler, que conheci e já tinha desenhado em Paraty (ver aqui).
A Rita continua encantadora e a desenhar esplendidamente, nem dá para descrever. Desde o último desenho, acho que lhe cresceram as mãos...

We had dinner for the third consecutive time in the Indian restaurant. The food was great, and the service of our friend Laura, from Spain, were more than enough reason to want to come back. Every night we had more friends with us, as Silvio said, we were probably"the coolest group". On this last day of the Symposium I did only 3 drawings:
  • John Rylands Library, the drawing I did for the silent auction, sold for 50 pounds;
  • Loukia, a Greek girl working in York I talked at the Peveril of the Peak, during the 2nd  session of my activity with Vicente;
  • And Rita Sabler, That I met and had already drawn in Paraty (see here).
Rita is still charming and draw splendidly, I canot even describe. Since the last drawing, I think her hands have grown...




08/08/2016

Manchester #day_5

O último dia em Manchester. 
À semelhança do que fiz depois de Paraty, volto a começar pelo último desenho, ainda que por razões diferentes.
Imagino que cada um o sinta de forma diferente, mas eu apetece-me descrever esta experiência como um verdadeiro sonho, em que sonhamos de olhos abertos, em permanência, desde o primeiro momento em que acordamos, até aquele em que voltamos a cair na cama de hotel, exaustos e de coração cheio. Andamos ali, de caderno na mão e olhos esbugalhados, na busca das melhores experiências da nossa vida de sketchers. E de conhecer pessoas; e de aprendermos coisas novas; e de também ensinarmos coisas aos outros. É o deslumbramento total. 
Depois da festa de encerramento no Sábado, o Domingo era o dia da descompressão e da depressão. 
Aparentemente tudo tinha acabado. Talvez aparentemente, que isto demora a passar, e talvez não passe verdadeiramente, não voltamos a ser bem como éramos. Acho que voltamos melhores, não a desenhar, mas em outras coisas - eu sim.
No Domingo tinha de comprar duas camisolas do Manchester United, de tamanhos pequeninos. Saí de manhã, fez-me companhia o meu amigo Sílvio, Argentino a viver em São Francisco, e que já tinha conhecido em Paraty. Comprei as camisolas, num centro comercial bem perto da Catedral, onde ainda estavam uns resistentes de elite a desenhar. Bebemos um chá de menta, despedimos-nos pouco antes do almoço, com um abraço de até breve, que o Sílvio regressa a Lisboa ainda este mês. Passei pelo festival Comic Con, antes de me encontrar com o Pedro Loureiro, o Luís Frasco e o Vicente, para almoçar. Comemos tapas num restaurante Espanhol, antes do último desenho na Catedral de Manchester. Eram cinco da tarde, tínhamos de regressar: a pé até ao Hotel, onde deixáramos as malas, de comboio até ao aeroporto, e de avião low cost até a casa.
Fiz o último desenho no avião. Achei que o Vicente merecia estar nesse último desenho. Pela sua paixão e dedicação ao desenho em cadernos, por ser meu amigo de verdade, pelo seu sucesso enquanto formador estreante no Simpósio. Mereceu tudo o que de bom lhe aconteceu nestes dias. Parabéns Vicente!
Terminei o desenho enquanto aterrávamos, escrevi o que ia ouvindo, conformado com tudo. Voltei a abrir o caderno já nas chegadas, para uma última foto entre todos. Ainda estava a sonhar, mas agora, e pelo cansaço, com os olhos menos esbugalhados que nos dias anteriores. Os olhos cansados deixaram, por breves minutos, de olhar para a mala, que tinha desaparecido, roubada, quando a quis apanhar. Fiquei sem as roupas, dois livros, uma caneta Lamy, a sacola preta que nos deram no primeiro dia, e o desenho original da TIA, que comprei por 50 libras no leilão. Comigo, numa mochila pesada, estava quase tudo o que me interessava verdadeiramente: os meus cadernos. E as duas pequenas camisolas do Manchester United...

The last day in Manchester.
Like what I did after Paraty, I´ll start with the last drawing, although for different reasons.
I imagine that each one feel differently this Simposium thing, I describe this experience as a dream, but with open eyes, at all times, from the moment we wake up, until we got back to fall in the hotel bed, exhausted but happy. Walking everyday, sketchbook in one hand and wide eyes wide searchig the best experiences in our sketchers life. And to meet people; and to learn new things; and also teaching things to others. The total wonderment.
After the closing party on Saturday, Sunday was the day of decompression and depression.
Apparently it was all over. Perhaps apparently, because things don´t finish like that, it takes time to pass. I think we came back better from this place, not in terms of drawings, but in other things - at least I do.
On Sunday I had to buy two official Manchester United shirts, of tiny sizes. I left in the morning, with my friend Silvio, from Argentina but living in San Franscisco, whom I met in Paraty. I bought the shirts, in a shopping center close to the Cathedral, where they were still some elite resistant urbansketchers. We drank mint tea, said goodbye just before lunch, and we gave a hug. I went trough the festival Comic Con before I join again with Pedro Loureiro, Luís Frasco and Vicente for lunch. We ate tapas in a Spanish restaurant, before the final drawing in the Manchester Cathedral. It was five o-clock in the afternoon, we had to come back: walking to the hotel, where we had left the bags then by train to the airport, and a plane back home.
I did the last drawing on the plane. I thought that Vicente deserved to be in the last drawing. For his passion and dedication to the drawing in sketchbooks, for being my true friend, for his success as an instructor in the symposium. He deserved all good things that happened to him these days. Congratulations Vincente!
I finished the drawing when we were landing, I wrote what I was listening, resigned to the circumstances. I opened the sketchbook again in the arrivals for one last photo with the group. I was still dreaming, but now tired, my eyes were  less open than the previous days. My tired eyes were probably closed for a few minutes, not looking at the suitcase, which had disappeared, stolen, when I wanted to catch it. I loose my clothes, two books, a Lamy pen, the black goodies bag from the first day, and the original drawing from TIA, that I bought for 50 pounds at the silent auction. With me, in a heavy backpack, I had almost everything that interested me truly: my sketchbooks. And the two tiny Manchester United shirts...